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COMO INCENTIVAR O USO DO SEGURO DE CRÉDITO EM PERÍODOS DE CRISE?

A recuperação judicial das Lojas Americanas trouxe aos holofotes algo que parecia estar adormecido: o risco de crédito das grandes varejistas. O ano mal havia começado e o mercado foi bombardeado com notícias envolvendo a reestruturação das Lojas Marisas, pedido de falência deduzido por credor da Tok&Stok, além de recuperações judiciais que se arrastam sem uma decisão judicial definitiva, como o caso da recuperação judicial do Grupo Ricardo Eletro, cuja quebra foi suspensa, até que seja analisado o mérito de recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.

O que, entretanto, parece ainda não atrair a mesma atenção do mercado é a importância do seguro de crédito para mitigar riscos sistêmicos. O incentivo a esse tipo de operação, ainda incipiente no Brasil, poderia ser um importante mecanismo para superar a crise da concessão de crédito atual.

Sinteticamente, o seguro de crédito é aquele contratado pelo fornecedor em face de potencial inadimplência financeira dos compradores. Evidenciada a inadimplência, a seguradora indenizará o fornecedor, em valores que orbitam a faixa de 85% a 90% do valor inadimplido, descontados franquia e eventuais títulos que descumprirem os termos da apólice.

O seguro de crédito neutraliza o risco da insolvência, beneficiando as partes envolvidas, já que fornecedores terão a previsibilidade necessária para manter relações comerciais, pois o seu fluxo de caixa estará protegido. Do outro, com a redução do risco de inadimplência, compradores tendem a se beneficiar de condições comerciais mais favoráveis. Finalmente, o setor é impulsionado, com destravamento de operações.

O setor varejista é especialmente atraído por esse tipo de seguro, pois atua com elevado volume no fluxo de vendas, além de caracterizar um mercado altamente concentrado em determinados agentes econômicos.

Daí a importância de, neste momento, refletirmos sobre medidas efetivas para ampliar o uso do seguro de crédito no país. Como, então, tornar o seguro de crédito mais acessível? Talvez, a resposta esteja na disponibilização de instrumentos jurídicos que possam mitigar o risco de não recuperação do crédito pelas Seguradoras, especialmente, diante do aumento dos casos de recuperação judicial.

Fornecedores, em conjunto com os agentes financeiros, são os grandes responsáveis por contribuir com o soerguimento de empresas em recuperação judicial.  Assim, a partir de 2020, o legislador introduziu alterações à lei de recuperação judicial, permitindo, expressamente, que planos de recuperação judicial privilegiem credores fornecedores (credores colaboradores), que, após o pedido de recuperação judicial, mantiverem o fornecimento às recuperandas.

Talvez uma forma de incentivar o seguro de crédito no país seja considerar as seguradoras de crédito como credoras colaboradoras, sujeitas, portanto, à melhores condições de pagamento pelo Plano, desde que (i) a indenização securitária seja paga em benefício de fornecedores que aderirem como credores colaboradores, mantendo as vendas às empresas em recuperação e (ii) mantenham a cobertura de seguro sobre essas novas vendas.

Essa solução, a um só tempo, aumentaria o apetite dos fornecedores em manter vendas às empresas em recuperação judicial. Ainda, potencializaria a ampliação na contratação de tal modalidade de seguro no Brasil, já que melhores condições de recuperação do crédito às seguradoras representaria, possivelmente, prêmios mais baratos e, portanto, mais acessíveis.

Juridicamente, há espaço para sustentar esta solução. O parágrafo único, do artigo 67, da Lei 11.101/05 já prevê a possibilidade de o plano de recuperação dispor sobre tratamento diferenciado a fornecedores de bens ou serviços após o pedido de recuperação judicial, desde que tais bens ou serviços sejam essenciais para a manutenção das atividades da empresa em recuperação. Se o fornecimento de bens por determinado fornecedor for considerado essencial, certamente, o seguro atrelado a tal fornecimento igualmente o será.

Por fim, dois outros argumentos depõem favoravelmente ao enquadramento das seguradoras de crédito como credoras colaboradoras.

Primeiro, por expresso dispositivo do Código Civil, a sub-rogação que se opera com o pagamento da indenização transfere às seguradoras todos os privilégios, direitos e ações do crédito ordinário.  Se a sub-rogação transfere ao novo credor os privilégios, direitos e garantias da dívida original, e o pagamento da indenização securitária resulta em sub-rogação da seguradora no crédito originalmente detido pelo credor fornecedor, aquele segurado que for enquadrado como credor colaborador transferirá à seguradora a sua condição privilegiada quando do recebimento da indenização.

Além disso, com a nova redação do artigo 83, §5º, da Lei 11.101/05, previu-se que “para os fins do disposto nesta Lei, os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação”. Em que pese ser a hipótese de falência a origem do dispositivo, nada impede a sua utilização em cenário de recuperação. Portanto, se o fornecedor segurado for considerado credor colaborador, certamente, ao ter parte de seu crédito sub-rogado pela seguradora, transferirá tal posição, conforme expresso dispositivo legal.

Sobram argumentos para fundamentar a classificação das seguradoras como credoras colaboradoras. Dispositivos normativos, racional mercadológico e proteção ao sistema financeiro são componentes desta fundamentação, que poderá consolidar a oferta do seguro de crédito no país e, consequentemente, ajudar a reduzir o risco de crédito atual.